Como você ousa ser diferente de mim?

Publicado em 6 de agosto de 2016

 

Foto: Pineapple Supply Co. (original Unsplash, editada por mim)

 

Tem mais de 7 bilhões de pessoas caminhando sobre o nosso planeta neste... exato... momento. Mesmo que eu tente, meu cérebro não consegue dar forma para um número assim tão grande (este site super bem bolado ajuda!). Eu fico ainda mais embasbacada se tento visualizar que, contando somente um dedo de uma mão de cada uma dessas pessoas, temos mais de 7 bilhões de impressões digitais diferentes. Sete bilhões de identidades.

Ninguém é igual a ninguém, certo? Assim, olhando de longe, esse conceito é bem fácil de entender. Eu tenho meus gostos, você tem os seus, você tem os seus hábitos, eu tenho os meus. Somos diferentes. Mas quando a gente chega um pouquinho mais perto, na intimidade das relações, a realidade muda e as diferenças, na verdade, viram grandes geradoras de conflitos.

"Tá. Me explica isso melhor."

A mente tem a tendência a achar que o mundo só pode ter dois lados, o seu e o dos outros. Nessa lógica, somente uma de duas versões da realidade é possível: (1) eu estou certa e os outros estão errados ou (2) eu estou errada e os outros estão certos.

Faça um exercício comigo:

  1. Pense nas coisas que mais te incomodam em alguém próximo a você. Para ficar mais claro neste momento, escolha alguém com quem você esteja convivendo com frequência, como seu marido/esposa ou um colega de trabalho. Depois você vai poder fazer este exercício todas as vezes que quiser e com quantas pessoas quiser.

  2. Tente resumir o que te incomoda em frases do tipo "Ele é preguiçoso", "Ela é muito briguenta", "Ele vive atrasado".

  3. Agora olhe para dentro e procure mentalmente essas mesmas características em você. Provavelmente elas estão bem escondidas, sufocadas, apagadas. O que incomoda não é o que o outro faz e sim o que a gente não se permite fazer.


Deixe eu te contar uma história minha:

Eu estou sempre fazendo alguma coisa. Tudo pra mim é uma tarefa. Se eu não ficar atenta, cozinhar vira uma tarefa, brincar com a minha sobrinha vira uma tarefa, me divertir vira uma tarefa. Enquanto eu não termino de organizar tudo ao meu redor, não consigo descansar. Minha cabeça não funciona, eu não relaxo. É uma chatice! É cansativo, desgastante. Consigo ouvir uma voz falando no meu ouvido "Primeiro a obrigação, depois a diversão".

Até eu me casar, não tinha noção desse padrão. Morava sozinha e, na falta de alguém com quem me comparar, vivia a minha vida fazendo e fazendo e fazendo. Quando viemos morar juntos, combinamos que cada um ficaria a cargo de uma tarefa diferente. Uma das tarefas do Fábio é lavar a louça.

Beleza, essa era a introdução. Agora imagine a seguinte cena:

Acabamos de nos mudar. Tá tudo lindo! Eu preparo o almoço, a gente come, a refeição termina, colocamos os pratos na pia e... o Fábio vai ler um livro. Na minha cabeça: "Mas ele não vai... lavar a louça?". O que sai da minha boca: "Fá... você quer que eu lave a louça pra você?". Ele: "Não, pode deixar, eu vou lavar mais tarde." Na minha cabeça, de novo: "Tá, mais tarde quando?".

Isso me deixava agoniada, nervosa, ansiosa, desnorteada. Do lado de fora, eu parecia estar super irritada com a louça suja, com o "descaso" do Fábio, qualquer outro blablabla. Mas do lado de dentro, a minha fazedora frenética, que não se permitia descansar um pouquinho nem mesmo depois de um almoço gostoso, estava gritando, aos berros:

"Como você ousa descansar na minha frente, quando eu não me permito relaxar? Como você ousa estampar bem na minha cara a leveza do descanso que eu não me permito incorporar na minha rotina? Como você ousa ser diferente de mim?"

Essa história se repete dezenas de vezes, diariamente, na vida de todos nós. O cenário, o enredo e os personagens mudam, mas o tema é o mesmo.

Mas o que eu quero deixar de mensagem aqui é que esse tipo de conflito nunca está fora da gente. Ele é sempre, sempre interno! E mostra uma parte nossa que está sofrendo, presa em uma identidade que não pode mudar, não pode agir de forma diferente. Quando um incômodo como esse tipo aparece, é uma oportunidade linda e enorme que temos de crescer, de olhar pra dentro e liberar os preguiçosos, os briguentos, os atrasados que vivem dentro da gente. Toda a raiva ou incômodo que aparecem quando a outra pessoa escancara uma qualidade, mostram que você está tentando negar essa parte dentro de você.

E da mesma forma que nós matamos o descanso dentro da gente, tentamos matar o descanso dentro do outro. Quando eu tento matar a briguenta que se expressa na minha colega de trabalho, é porque já calei há muito tempo a briguenta que tem dentro de mim. Isso é muito abusivo, tanto com a gente quanto com o outro!

Então termino com um convite à reflexão, bem do jeito que eu gosto. Da próxima vez que você se deparar com uma ação que te incomode muito em alguma outra pessoa, pare e faça os passos 2 e 3 do exercício que está lá em cima. Pegue a característica que te incomoda, e procure-a dentro de você.

"Ele é preguiçoso." Quando foi a última vez que você se permitiu ser um pouquinho preguiçosa e descansou, mesmo com toda a bagunça da casa para arrumar?

"Ela é muito briguenta." Quando foi a última vez que você se permitiu falar de forma mais dura com alguém para impor os seus limites?

"Ele vive atrasado." Quantas vezes você se estressa para chegar no horário por não se permitir lidar com o tempo com mais leveza?

Antes de terminar, vamos deixar uma coisa bem clara: este exercício não tem juízo de valor. Não estamos discutindo se resolver as coisas na briga é certo ou errado, nem importa se chegar atrasado é correto ou não, por exemplo. Este exercício é para mostrar que a irritação, independente da causa externa, está dentro da gente. e se está do lado de dentro, significa que podemos observá-la e aprender com ela.