Observar / Interpretar

Publicado em 11 de janeiro de 2022

No imaginário contemporâneo, guiado pela pressa, performance, propósito, objetivos, resultados, é difícil exercitar a observação sem correr para a etapa da interpretação.

Conseguir informações sobre qualquer coisa é tão fácil, que a gente tem dificuldade de segurar uma interrogação por mais do que alguns segundos. "Procura no google!" (e me livra do incômodo de não ter uma resposta imediata para esta dúvida).

A questão é que, para os nossos propósitos de organização interna, é tão importante saber observar as sensações, emoções, inquietações, desconfortos, alívios, quanto saber interpretar o que estamos sentindo.

Isso porque a observação mais demorada (Onde estou sentindo isto no meu corpo? Que emoção é esta? Me deixa mais forte? Mais fraca?) nos mostra nuances que a gente perde se tenta correr para explicar o que estamos observando (Estou sentindo uma dor estranha, deve ser porque dormi mal).

Delinear é importante, mas no processo de organização interna, queremos deixar a observação livre por um tempo. É como a imagem que ilustra este texto. Percebe como a sensação mudaria se não houvesse uma linha circulando o desenho? A interpretação coloca contornos no que está sendo observado, usando a mente (nada neutra) para empacotar e rotular.

Esse, apesar de ser um exercício individual, também apresenta outro benefício: observar uma sensação interna sem tentar entendê-la pode ser muito desconfortável, mas eu gosto desse desconforto, porque me mantém em contato com o diferente, o negativo.

Em um mundo cada dia mais liso e positivo (1), em que a realidade tenta se adaptar mais a mim do que o contrário -- o mercado me vende experiências personalizadas, me poupando do desconforto de conviver com algo que não é "a minha cara" -- se eu não der conta de sustentar alguns atritos dentro de mim, como vou conseguir lidar com eles do lado de fora?