Esvaziamos o termo “Autoconhecimento”

Publicado em 18 de janeiro de 2022

 
 

Acho que esvaziamos o termo AUTOCONHECIMENTO.

O que antes era uma maneira de nos referirmos a um processo longo e cuidadoso, um trabalho terapêutico autêntico, que leva à autonomia emocional, hoje é um rótulo que descreve, muitas vezes, pacotes de fórmulas prontas, oferecidas em formatos que o paulo freire chamou de "bancários", modelos fechados que são "depositados" na pessoa, sem estimular o senso crítico e a investigação.

"5 dicas para combater o perfeccionismo."

"7 hábitos das pessoas que dormem bem."

"Como driblar a ansiedade."

"Como manter o foco e atingir seus objetivos."

É o mal destes tempos: pegue algo profundo, superficialize-o até transformá-lo em um produto fácil de ser consumido e distribua-o em uma embalagem chamativa.

Perfeccionismo é um sintoma. Insônia é um sintoma. Ansiedade é um sintoma. Falta de foco é um sintoma. São sintomas aparentemente individuais, alimentados por uma sociedade doente.

No livro ASFIXIA, o filósofo italiano Franco Berardi escreve: "Em um ambiente hipercomplexo, que não pode ser devidamente entendido e governado pela consciência individual, as pessoas seguirão rotas simplificadas e usarão interfaces que simplifiquem as complexidades."

As "receitas de sucesso" são rotas simplificadas para quem está atolado. Eu abro mão de fazer contato com a minha complexidade interna porque estou tentando gerenciar a supercomplexidade externa (enfatizada pelos excessos da internet).

As fórmulas, na melhor das hipóteses, têm efeito analgésico, e na maioria dos casos, por não resolverem o problema, deixam uma sensação de incompetência por não conseguirmos fazer com que funcionem.

Mas como fazemos para não reforçar ainda mais esse ciclo?

Eu sei que este espaço é frequentado por gente que produz e gente que consome autoconhecimento. No lugar dos conteúdos embalados e prontinhos, podemos, como grupo, deixar de alimentar o mercado de analgesia emocional e nos empenhar em produzir e consumir ideias que encorajem análises e autoinvestigação, que ajudem as pessoas a tomarem as rédeas de seus processos, que eduquem em lugar de funcionar como paliativos.

Quer fazer uma listinha? Então complemente o seu texto com bibliografia, mostre para o seu leitor como você chegou àqueles itens. Está consumindo uma receitinha pronta? Inicie um diálogo com quem produziu aquele conteúdo, convide a pessoa a aprofundar o tema.

A grande maioria das pessoas que produz conteúdo de autoconhecimento o faz porque está descobrindo algo sobre si e sente que precisa compartilhar para ajudar outras pessoas a fazerem o mesmo, quase como uma evangelização. Faz parte do processo. Mas, também na maioria das vezes, essas pessoas estão sendo alimentadas por conteúdos vazios. convidá-las a elaborar melhor as suas ideias também vai ajudá-las a fazerem mais contato com sua própria complexidade. talvez elas percebam que estão navegando na superfície quando poderiam estar mergulhando em águas muito mais profundas.

Esses pequenos movimentos para fora do senso comum - do que todos estão fazendo no automático - são o que o autoconhecimento de fato se propõe a fazer quando é um processo a ser atravessado, e em vez de um produto a ser consumido.

 
As fórmulas, na melhor das hipóteses, têm efeito analgésico, e na maioria dos casos, por não resolverem o problema, deixam uma sensação de incompetência por não conseguirmos fazer com que funcionem.

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